Proteção Civil e a Ajuda Internacional

 


Há não muito tempo, infelizmente, tomamos conhecimento das trágicas consequências do sismo ocorrido na Turquia e Síria.

Alguns órgãos de comunicação social chegaram a relatar que o número de mortos atingiu os 50 000.

Lamentavelmente, no caso das repercussões deste evento sísmico de grandes proporções na Síria, verifica-se uma diferença entre a resposta internacional e acolhimento, diferenciado, por parte das autoridades de cada país, se comparado com a Turquia.

Desta feita não queremos debruçar-nos sobre as questões técnicas, nomeadamente se as equipas internacionais responderam a tempo e em quantidade suficiente porque, certamente, esse é um aspeto que terá de ser avaliado por quem tenha dados.

A questão fundamental desta reflexão é debruçar-se sobre os normativos que regulam a resposta internacional a situações de emergência.

Logo aqui há que fazer a destrinça entre ajuda humanitária e ajuda de emergência. Alguns autores e agentes poderão defender que não há distinção entre estas e que, em qualquer caso, temos uma situação de ajuda humanitária de emergência.

Em minha opinião, contudo, existe um facto que, por si só, é diferenciador destes conceitos. Se por um lado, a ajuda de emergência é a resposta dada a um evento internacional que não não resulte de agressão entre partes mas antes de um acidente natural, como um sismo de elevada magnitude ou de cheias, por outro temos o conceito de ajuda humanitária em que, geralmente, há uma população afetada por uma agressão. Infelizmente a história tem registado estas agressões entre populações. Não poucas vezes estas agressões resultam de questões relacionadas com minorias raciais e / ou religiosas.

Naturalmente que, quando pretendemos intervir neste contexto da resposta internacional a emergências, não podemos deixar de estar conscientes relativamente a questões que podem fazer perigar a nossa ação e, como tal, necessitamos de ter presentes os riscos que corremos, bem como, os instrumentos que protegem a intervenção nestes cenários.

A grande questão que se levanta neste contexto é que, a nível internacional, existem muitos países com usos, costumes e tradições diferentes. Apesar de existirem organismos internacionais estes não podem escrever leis e, como tal, não podem fazê-las impor aos países que as integram. Tendo em conta esta limitação não há outra alternativa, senão, os países chegaram a consenso. Logo aqui deriva de que um consenso é um acordo que deve interessar a todos os intervenientes e, para que tal aconteça, importa não ferir os usos e costumes de qualquer dos signatários e, por esse motivo, não deve atacar a sua soberania.

Assim há diversos instrumentos internacionais que procuram criar condições para uma relação equilibrada entre as pretensões dos estados.

De referir, desde logo, que nem mesmo numa emergência a soberania de um estado pode ser colocada em causa. Assim, para que esta soberania não seja atingida qualquer ajuda, por parte de outro estado ou organização não governamental, apenas deve ser prestada depois de obtido o consentimento do estado afetado, de preferência através de um apelo da parte deste.

A única forma de não se observar esta condição é quando, perante uma situação de tal forma grave, a maioria dos membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas entenda que a ajuda humanitária deva ser imposta.

Por outro lado, existem, igualmente, responsabilidades que são cometidas aos estados afetados. Nomeadamente é estabelecido que cada estado tem a responsabilidade de cuidar das vítimas de acidentes naturais, ou de outro tipo, que ocorram no seu território. Assim o estado afetado tem a responsabilidade em iniciar, organizar, coordenar e implementar a assistência humanitária no seu território.

Claro que a magnitude e duração de uma emergência, ou várias emergências relacionadas ou independentes entre si, que ocorram num curto período temporal, podem limitar a capacidade de resposta de um estado. Assim a cooperação internacional que visa responder a emergências e reforçar a capacidade de resposta dos países afetados é num aspeto de grande relevância.

Além de mais, para que todo este esforço produza efeitos, é solicitado aos estados cujas populações necessitem de assistência, que facilitem o trabalho das organizações no que concerne à implementação de assistência no que diz respeito, em particular, ao fornecimento de alimentação e de medicamentos, de abrigos e cuidados de saúde que sejam essenciais para as vítimas que deles necessitem.

Neste espírito, também aos estados vizinhos dos estados afetados é solicitado que, no âmbito dos esforços internacionais, dentro da medida do possível, facilitem o trânsito de assistência humanitária.

Estes são apenas alguns dos princípios basilares   para o reforço da coordenação da assistência humanitária de emergência.

Estes princípios basilares, em conjunto com outros instrumentos internacionais, criam as condições fundamentais para a prestação de ajuda internacional em situações de emergência. 

Estes documentos servem de referência a todas as relações internacionais bilaterais e / ou multilaterais que envolvam a resposta a emergências.

Muito poderá ser debatido, sobretudo, no que diz respeito à diferença da ajuda prestada pela comunidade internacional na Turquia e na Síria e se, no caso concreto deste último estado, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas poderia ou deveria ter tomadas alguma posição, sem embargo às notícias que foram divulgadas em relação a alguma disponibilidade que o governo Sírio demonstrou em relação à ajuda internacional, nomeadamente, quando facilitou o acesso ao país através de fronteiras específicas.

Após esta curta reflexão podemos constatar que o ambiente internacional é, efetivamente, de muita volatilidade.   Para respeitar escrupulosamente os usos, costumes, crenças e direitos das populações pode, não poucas vezes, condicionar a resposta internacional.


Autor

O. N. S. 1042008 João Correia Martins

Comandante do Comando Nacional

Corpo Nacional de Intervenção Civil

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